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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)

É muito difícil uma pessoa aceitar a perda de um ente querido, ainda mais se for de uma forma brutal, como um assassinato. O pior é quando o crime não é solucionado. Mildred Hayes (Frances McDormand), a protagonista de “Três Anúncios Para um Crime”, perdeu a filha. Para demonstrar sua insatisfação com a falta de resolução do ocorrido, resolve colocar 3 outdoors em sua pequena cidade do interior dos EUA para chamar a atenção da polícia novamente sobre o caso. Esses anúncios causam um burburinho no local, que se revolta contra a moça. A partir desse evento os personagens irão passar por situações que os mudarão para sempre.

O diretor Martin McDonagh constrói muito bem a narrativa e apresenta um retrato muito interessante sobre uma típica cidade do interior dos EUA, fazendo questionamento sobre seus costumes, que envolvem racismo, "ignorância", entre outros. Entretanto, seu objetivo não é criar algo totalmente realista, mas que seja verossímil dentro do universo criado pelo roteiro, também escrito por McDonagh. Nesse lugar, os personagens tomam decisões que parecem absurdas, mas que refletem de alguma forma a situação pela qual estão passando.

O principal exemplo disso é a protagonista interpretada por Frances McDormand. A moça é capaz de furar um dentista com um objeto de trabalho dele, algo extremamente brutal, e depois mentir na maior cara de pau à polícia, mesmo com dificuldade de falar pelo efeito da anestesia na boca. O melhor de tudo é que o diretor transforma essa cena em algo extremamente engraçado. Esse momento define devidamente o tom da narrativa que equilibra muito bem o drama com politicamente incorreto e ácido.

Mildred Hayes é uma personagem fascinante. Uma mulher de gênio forte, disposta a tudo para ter um desfecho em relação a morte da filha, que não mede esforços para alcançar o seu objetivo. Mas ao mesmo tempo mostra toda a sua fragilidade quando se encontra com seu ex-marido, reflexo de um antigo relacionamento abusivo. Aos poucos a narrativa vai desenvolvendo a protagonista, e à cada novo fato acrescentado a narrativa, vemos uma nova face de Mildred. Um flashback que mostra seu último momento com a filha diz bastante sobre a dor que essa mulher carrega, misturado com um enorme sentimento de culpa. A atuação de Frances McDormand é brilhante justamente por conseguir dar cara a todos esses sentimentos de forma tão marcante.

Entretanto o personagem que mais sofre com os anúncios é o policial Willoughby, o alvo dos outdoors que questionam o seu trabalho. Woody Harrelson apresenta um homem que tenta equilibrar o trabalho com sua vida pessoal. Ele é casado e tem duas filhas pequenas. Mas o pior é que ele está lidando com uma doença grave, e Mildred mesmo sabendo da situação colocou os anúncios. O conflito entre os dois é interessante. O homem quer resolver de forma pacífica, mas a mulher sabe que essa é a chance que ela tem de ter uma esperança na resolução do caso antes que passe tempo demais. A dinâmica criada entre eles é uma mistura de passivo agressivo, mas ao mesmo de enorme respeito.
O filme é um estudo de personagens perfeitamente desenvolvido, e fechando os principais temos o policial Dixon. A performance de Sam Rockwell talvez seja a mais difícil, já que o rapaz é bastante complexo. Ele é o estereótipo do policial americano. Um homem preconceituoso, reflexo da sua criação, uma vez que ele ainda mora com a mãe, que também é racista. Fica claro que ele não é uma pessoa preparada para exercer sua profissão, graças a sua ignorância e temperamento explosivo. Mas nem por isso ele não deixa de ser carismático e o ator explora corretamente a dualidade de Dixon. O sujeito parece em alguns momentos querer fazer a coisa certa, entretanto ele nem sempre sabe bem como fazer isso, mas acredita estar fazendo. A sua jornada dentro da narrativa é muito interessante, criando uma espécie de redenção à ele mesmo, mas sem deixar que ele pague pelo seus próprios atos.

O triunfo do filme é justamente criar esse universo cheio de personagens interessantes e criar uma dinâmica maravilhosa entre eles. Tudo isso embalado por uma linda trilha sonora que ajuda bastante na imersão nesse “universo”. “Três Anúncios Para um Crime” é uma viagem dentro dessa cidade que parece ao mesmo tempo tão real, mas também extremamente absurda. E esse é justamente o sentimento que Martin McDonagh quer evocar, uma mistura de nostalgia e crítica a sociedade americana. Porque, afinal de contas, todos de alguma forma enfrentam uma jornada que vai do ódio à redenção, ou de como esse sentimento de raiva pode se transformar em compaixão. Todos temos defeitos e os habitantes de Ebbing, Missouri, são tão humanos quanto nós.

Classificação:


Título Original: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri (EUA, Reino Unido 2017)
Com: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, John Hawkes e Peter Dinklage
Direção: Martin McDonagh
Roteiro: Martin McDonagh
Duração: 115 minutos

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