Ao final da sessão de "Estrelas Além do Tempo" a plateia aplaudiu. Sim, é um ótimo filme. Os aplausos são válidos. A ironia é que no cinema tinha apenas uma mulher negra. Ou seja, mais de 50 anos após os eventos ocorridos no filme as coisas ainda não evoluíram o bastante em relação a questão racial. Isso demonstra ainda mais a importância de mostrar a trama de mulheres negras que tiveram um papel importante na história da humanidade. Mesmo que seu reconhecimento tenha sido tão tardio e árduo.
O filme retrata a dificuldade enfrentada pelas personagens, pelo simples fato de serem negras, e como foram capazes por si só de vencer esses desafios. Mesmo sendo ótimas profissionais, a dificuldade em conseguir algum tipo de reconhecimento era muito difícil por causa do preconceito racial.
A história gira em torno de três personagens femininas. A principal é Katherine Goble (Taraji P. Henson), uma matemática cujo o talento com números foi descoberto ainda quando criança. Mãe de 3 filhas e viúva, ela trabalha na NASA. Goble faz parte de um grupo de mulheres negras especialistas em cálculos “supervisionado” por Dorothy Vaughan (Octavia Spencer). Mary Jackson (Janelle Monáe) completa o grupo de amigas e sonha em se tornar engenheira. As três diariamente vão juntas para o trabalho no mesmo carro, evitando assim andar no banco de trás dos ônibus da época, fato que inclusive confere a uma das primeiras cenas do filme um prelúdio do que virá.
Cada uma delas tem seu próprio desafio, mas a dificuldade graças a questão racial é o ponto em comum. Katherine tem a chance de participar da equipe de Al Harrison (Kevin Costner). Ele é o diretor do programa espacial da NASA que quer levar o primeiro homem ao espaço. Nessa época eles ainda não tinham computadores, então ela faria o papel de “computador” checando os cálculos. Já Dorothy luta para ser reconhecida como supervisora, já que desempenha a função sem receber o salário e o crédito da mesma. Enquanto Mary vai lutar para ser engenheira já que a única universidade disponível onde ela mora é exclusiva para brancos.
O filme não começa muito bem; são apresentados personagens brancos que funcionam como antagonistas das mulheres fazendo julgamento delas por causa da cor. No começo eles soam caricatos, como o policial no início da trama. Mas felizmente o roteiro de Allison Schroeder e Theodore Melfi supera isso e encontra uma coesão para desenvolver a história e seus personagens.
A decisão mais inteligente do roteiro foi focar num determinado momento da vida das personagens. Apenas um pequeno flashback é mostrado no início para mostrar como Katherine foi precoce no seu estudo da matemática. Dessa forma é possível focar nesse intervalo de tempo e desenvolver os acontecimentos de forma inteligente e eficiente. E aos poucos mostra pequenos elementos para apresentar e desenvolver as personagens. A história encontra um equilíbrio entre as três para mostrar a importância de seus atos dentro das mudanças em relação a questão social na NASA.
Assim é preciso também elogiar o trabalho das atrizes. Henson mostra as nuances de sua personagem demonstrando a fragilidade e timidez inicial que evolui para força e determinação, culminando em um ponto que a personagem extrapola os limites impostos a ela. Já Spencer faz uma performance mais contida e dá uma incrível verossimilidade a Dorothy. É dela os melhores momentos do filme. Enquanto Monáe mostra toda a determinação de Mary que não abaixa a cabeça diante das dificuldades.
No time dos brancos o grande destaque é Kevin Costner. Seu personagem é rigoroso com seus funcionários e ele é bastante prático em querer resolver os problemas. É interessante notar como ele se dá conta do racismo dentro de sua equipe por causa de Katherine, ao descobrir que os “sumiços” da moça são ocasionados pela distância do banheiro para pessoas de cor. Sua atitude então é acabar com a divisão de raça dos sanitários, mas nem por isso ele vai querer assumir um protagonismo na questão da luta racial. Ele só quer resolver a situação de sua subordinada.
E como a questão racial é o tema principal do filme, o uso das cores das roupas do personagem passa uma noção muito boa disso. Em uma cena na qual Al Harrison reúne seus funcionários para uma reunião, todos são homens brancos e estão com camisas brancas. Com exceção de Katherine, que está com um vestido verde. Então a cor da sua roupa deixa ainda mais “gritante” como ela é a única “diferente” no local.
Inclusive o desafio das protagonistas ainda é duplo, já que sofrem por serem negras e também por serem mulheres. O filme poderia facilmente cair na armadilha de transformar a história em um grande dramalhão. Felizmente o diretor Theodore Melfi sabe que a história em si já tem uma carga emocional muito forte e consegue equilibrar bem o drama e emoção de forma genuína. O único elemento que atrapalha um pouco isso é a trilha sonora de Hans Zimmer que exagera em temas que forçam um sentimento artificial. A a trilha conta também com algumas músicas de Pharrell Williams, que também é um dos produtores do filme, ajudando no equilíbrio da trilha sonora, com músicas mais alegres e vibrantes, e na combinação destas com a personalidade das protagonistas.
Além da trilha sonora, a montagem de Peter Teschner apresenta algumas pequenas falhas. Em determinados momentos do filme a passagem do tempo não fica bastante clara. Alguns fatos que demoraram meses passam muito rápido. Mas são poucos momentos e não chegam a comprometer o ritmo e o entendimento da narrativa.
Então mesmo apresentando alguns problemas, "Estrelas Além do Tempo" é um ótimo filme e também uma história muito importante em ser apresentada ao grande público. E quem sabe com mais histórias desse tipo a nossa realidade possa continuar em mudança, já que ela ainda precisa evoluir bastante. Ainda mais que muitos pensam como uma das personagens que diz: “não tenho nada contra a sua cor”. Então fica a resposta de Dorothy: “que bom que você acredita nisso”.
Título Original: Hidden Figures (EUA, 2016)
Com: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Jim Parsons, Mahershala Ali, Glen Powell, Aldis Hodge, Kimberly Quinn, Olek Krupa, Kirsten Dunst e Kevin Costner
Direção: Theodore Melfi
Roteiro: Allison Schroeder e Theodore Melfi
Duração: minutos
Nota: 4 (ótimo)
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